domingo, 7 de dezembro de 2008

O fazer-capitular.

Pum e foi assim que me roubaste mais um ou dois tempos em que eu podia estar a fazer. Podia estar a dizer, podia estar a escrever, podia até estar só a fazer que fazia, mas sem qualquer dúvida estaria a fazer.

Mas vieste tu outra vez a distrair-me, e as tuas preocupações a contraírem-me e eu a ficar mais consciente, mais honesto, mais desonesto.

Já perdi a conta das vezes em que não fiz, porque te inventei na minha desculpa, ou porque no fundo nunca quis. E quando segredas e me contas que somos todos medíocres, eu fico ofendido, numa afronta, viro-me para o outro lado e continuo a fazer de conta.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Segundo acto.

O meu estilo e o meu gosto mentem-me e por isso tenho de nos mentir. Já passou um ano todos os anos que olho para trás, e se os meus olhos por vezes me traem o meu estômago jura que o tempo é maior do que as pontes. Os meus amigos passam lá fora.

Há por aí pessoas que olham para mim, mas já não há quem olhe por mim. E quem olha ao longe, pressente que está tudo na mesma e eu peço a deus que não esteja. Os carros passam lá fora.

Forço não saber que daqui a um ano tudo será igual, e eu diferente, e tudo igual, e eu na mesma.

E o tempo passa lá fora.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O verdadeiro acordar

Como de um sono milenar a palavra, amor, acorda
no embalo que nos leva para o agora
e quase virgem espreguiça-se esquecida
do majestoso florir crepuscular que é missão
sua nestes nossos lábios-cama onde ela
dá à luz a ficção que colheu da vida.

Como de um sono pesado a palavra amor acorda
lavada pela água que jorrou do tempo
e um bocejo infantil debruçado na vida que
aconteceu nesta esquina onde o mundo acabou
e começou sai-lhe da alma que tem entretida
a crescer entre o meu corpo e o teu.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Estarei viva quando acordares?

Rousseau sabia das coisas, o meio é uma coisa nefasta. Tu é uma criança, Jude. Vingas-te da vida em mim sem dares por isso e sem dares por isso és o que ainda te faz chorar e escrever cartas. Tudo o que escreves quando não para mim é o que te escrevo de volta, é o que te tenho a dizer e a chorar. As ameaças que concretizaste sao as que não deveria ter de atirar. Parece que ninguém aprende com os erros dos outros. A ti os outros ensinaram-te através da dor a ser como eles. Está bem, é a tua vingança na vida. Mas e eu, tenho alguma coisa a ver com isso? Tenho só olhos para ver que há coisas mais importantes do que o meu bem estar, há reis a que queres continuar a prestar vassalagem a qualquer custo. Sei que valho muito, por isso sei que é muito o que estás disposto a perder. Sei isto porque já o vi, já provei deste vinho feito com o meu sangue porque se é meu não faz mal, diz que sou forte. Só não sei o que fazer com o conhecimento. Falta-me a sabedoria que não quero ter nem admito sequer vir mais alguma vez a precisar. Sabedoria para não me doer que alguém possa valer mais do que o que sentes por mim, alguém cujas hipotéticas dores possam ter mais peso do que as que me apertam todos os dias e a toda a hora como uma tortura de mansinho como quem não quer a coisa e sem dar por isso, atacando lentamente na esperança de que te habitues para te poder doer mais e mais fundo até seres só um espinho vivo para ti mesmo e para o mundo, uma bomba atravessada de uma ponta à outra por quem não consegues matar porque te é querido, o cabrão do carrasco que não te mata mas moi por entre carinhos.
Se eu fosse só literatura, contava-te só a história de um rapaz, assim uma coisa menos explícita, talvez chegue mais facilmente onde as minhas lágrimas não tocam. Um rapaz parado na paragem de autocarro. Está à espera ou está a chorar, provavelmente ambas, e segura na mão um ramo de flores cabisbaixo como que por solidariedade. O rapaz não. É quase digno na dor que acho que tem. Chora sem qualquer esgar ou sequer um tremor. Porque chorará o rapaz do autocarro que não chega? Apetece-me ir abraçá-lo. Mas não vou. Não gosto de pessoas. As pessoas metem-me nojo. Só consigo superar este asco inicial quando já me habituei a elas e à sua humanidade. Aí, sou até quase condescendente com as suas imperfeições. Mas este rapaz ainda é demasiado humano e decido ficar só aqui a sorver-lhe a vida enquanto ele chora. Ele olha para o relógio, o único movimento que lhe vi até agora. Quase etéreo, sube o pulso e desvia até lá os olhos para logo de seguida voltar a baixar o braço, as flores e o olhar se estender até ao fim da rua poisando em nada. Algo nele acontece debaixo da complacência e da calma, algo que eu adivinho. No dedo mindinho que roça a palma da mão vejo bem que ele se prepara para algo, como que ganhando coragem para uma coisa triste e inevitável. É a decisão da sua vida, o passo mais difícil que alguma vez terá de dar. Às vezes o mundo quer dar-nos algo diferente do que queremos. Às vezes devemos olhar para isso e reavaliar a nossa vontade. Outras temos de ser adultos e dizer que não. Ele vai dizer que não. Vai-lhe custar mas ele vai dizer que não àquilo que lhe dói e lhe sabe bem, tudo ao mesmo tempo, um tempo agridoce. Finalmente, a decisão a tremer na sobrancelha e no fim das lágrimas. Os olhos no relógio mais uma vez e quando os desvia já sabe que é o melhor. A dor só se extingue através da dor. Quase que sorri, calculo que seja da certeza. O seu corpo torna-se mais hirto e encaminha-se agora para a beira do passeio. Confirma de relance que não vêm carros do lado esquerdo. Põe o primeiro pé na estrada. Eu sorrio para este quadro sublime do encontro súbito do rapaz com a razão. Os dois pés já na estrada, o ramo de flores esquecido na mão. Ele sorri-me para dentro de si ensaiando outro passo. E um autocarro vermelho vindo a correr da direita contra ele uma pancada e o ar todo a sair dos pulmões um corpo inerte atirado uns metros e depois arrastado e esmagado a sua carne as flores as boas intenções. Oh, rapaz, isto é uma Europa a fingir. Tem de se olhar sempre para os dois lados!