domingo, 22 de julho de 2007

Vale (a preencher)

Os horóscopos não sabem nada
sabem tudo.
Os horóscopos conhecem-nos
porque já nos viram juntos.
Nos seus mapas as horas a que
o braço se ergue em ferro
para o seu ferro.
Os horóscopos são portões
enferrujados pela força da tua saliva
a correr de encontro à minha
para logo depois correr com ela
para logo depois descobrir a inutilidade da meta.
Corramos em círculos
corramos todo o nosso correr.
Os nossos pés foram feitos para isto.
Corramos corramos
fio da navalha fora.
Se tropeçares
vê lá se cais com os dois pés
do mesmo lado.
Não te magoes
que não sei onde é o hospital.
Nunca lá fui.
Vamos
anda com cuidado
que se lá fui
é como se nunca lá tivesse ido
e não quero lá voltar.
Anda dá-me a mão
que também não consigo equilibrar-me.
Não vale empurrar.
Não vale fazer-me rir.
Não vale isto não ser a valer.
Vamos atravessar este fio
e esquecer que não sabemos

o que está na outra ponta.
A isso a isso
que o sangue chama.
Não vale nada.
Só o que quisermos.
Vale tudo.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

como se o abismo fosse impossível de saltar e eu não quisesse saber

dantes não precisavas de um rosto, ou então nem queria que o tivesses

eras um sentimento que se caracterizava pela reflexão recíproca

como se só aí estivesses para acabar as minhas frases

e bastava

essa verdade

mas agora da verdade nada resta e pouco importa, pois a realidade vai pesando na iminência

a realidade

dois pontos

à minha frente ergue-se um muro de realidade, que clama por ser vencido

que me chama e cala os violinos e as guitarras que na minha cabeça tornavam tudo mais simples

à minha frente tu

nua

com a guarda em baixo, quase até a sorrir

e... hesitas uma vez mais

não esperava isso de uma pessoa nua

o silêncio das vozes é largamente compensado pelos golpes do corpo que desvendam mais pele

e já nao queres hesitar mais

queres dizer

como quem não pensa mas sente

tu avanças com receio que eu finja algo em mim

vens, e dizes

mesmo que eu não abra tanto os braços com tu talvez gostasses

páras e sabes que fizemos bem

os teus olhos a tua respiração o meu cabelo a minha respiração o teu cabelo os teus olhos os meus olhos os teus olhos os meus olhos

reconheço-te sempre que adivinho o que pensas

e é deitado com o orvalho a entrar pelo fundo das costas, mesmo que já tenha puxado a camisola para baixo não sei quantas vezes, que penso para mim

DESCOBRI EM TI A VONTADE DE PARTIR
PORRA
E AGORA?

depois finjo que me desiquilibro e salto da janela

e tu segues-me

sem rede

sexta-feira, 6 de julho de 2007

como se fosse para isso e nada mais o espaço que se abisma em torno de mim

dantes inventava-te o rosto de que precisava para sentir os pés no chão

construía com palavras as esquinas da tua pele

como um deus preso pela coleira da tua inexistência

e bastava

essa verdade

mas agora a verdade já não são só as palavras cuspidas são o cuspo que nelas vem pousado são o ar com que são empurradas contra a minha pele

a verdade

dois pontos

atrás de mim ergue-se o mapa com as horas e as datas certas dos sítios por que passei

a vermelho a tinta corrigindo curvas erradas

à minha frente tu

nu

na tua mão a chave da janela

estavas à minha espera perguntas

não esperava nada digo

e o silêncio empurrado a golpes pela tua respiração a ferir-me a pele

ou esperava mas como quem não espera

como quem fica

como quem esquece que acredita

tu avanças até mim fingindo fixar o mapa que conheces bem

vens

mesmo que a minha barriga doa e o meu cabelo trema a cada movimento de ar

páras e nada no espaço de ti a mim se atreve

os teus olhos a tua respiração o meu cabelo a minha respiração o teu cabelo os teus olhos os meus olhos os teus olhos os meus olhos

reconheço algumas esquinas como quem relê um poema

e é sentada na ruga da tua pálpebra esquerda que escrevo no mapa

DESCOBRI O ESPAÇO PARA AQUILO QUE ME TINHA PROIBIDO
AFINAL
EU SINTO

depois puxas-me para ti e saltamos pela janela

sem rede