dantes inventava-te o rosto de que precisava para sentir os pés no chão
construía com palavras as esquinas da tua pele
como um deus preso pela coleira da tua inexistência
e bastava
essa verdade
mas agora a verdade já não são só as palavras cuspidas são o cuspo que nelas vem pousado são o ar com que são empurradas contra a minha pele
a verdade
dois pontos
atrás de mim ergue-se o mapa com as horas e as datas certas dos sítios por que passei
a vermelho a tinta corrigindo curvas erradas
à minha frente tu
nu
na tua mão a chave da janela
estavas à minha espera perguntas
não esperava nada digo
e o silêncio empurrado a golpes pela tua respiração a ferir-me a pele
ou esperava mas como quem não espera
como quem fica
como quem esquece que acredita
tu avanças até mim fingindo fixar o mapa que conheces bem
vens
mesmo que a minha barriga doa e o meu cabelo trema a cada movimento de ar
páras e nada no espaço de ti a mim se atreve
os teus olhos a tua respiração o meu cabelo a minha respiração o teu cabelo os teus olhos os meus olhos os teus olhos os meus olhos
reconheço algumas esquinas como quem relê um poema
e é sentada na ruga da tua pálpebra esquerda que escrevo no mapa
DESCOBRI O ESPAÇO PARA AQUILO QUE ME TINHA PROIBIDO
AFINAL
EU SINTO
depois puxas-me para ti e saltamos pela janela
sem rede
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